sábado, 17 de dezembro de 2011

Claquete repercute - Pacto sinistro




De cara, é preciso dizer que Pacto sinistro (Strangers on a train, EUA 1951) é um dos maiores sucessos de público de Alfred Hitchcock. O que não é pouca coisa. O filme, entremeado por Pavor nos Bastidores e A tortura do silêncio, recuperou o prestígio de Hitchcock nos EUA e abriu as portas para a década mais frutífera de seu cinema. A trama, perigosamente simples, e engenhosamente arquitetada opõem dois homens em uma vertiginosa história de crime e loucura. Guy Haines (Farley Granger) e Bruno Anthony (Robert Walker) são dois estranhos que se cruzam em um trem, daí o enigmático título original –embora o brasileiro não fique nada a dever.
Guy não é exatamente um anônimo. Tenista de fama mediana com aspirações políticas, o fino Guy aceita com certa inquietação as inconvenientes investidas de Bruno, um sujeito que aparenta ter uma inteligência avantajada nos mesmos moldes de sua indiscrição. Entre taças de vinho, nem sempre bem vindas por Guy, Bruno lhe conta como seria o crime perfeito. Ele mataria a esposa de Guy, um tipo irritante que negava o divórcio ao pobre sujeito mesmo tendo lhe traído, e Guy mataria o pai de Bruno, um velho inconveniente que teimava em viver e em implicar com o primogênito. 
Guy, naturalmente, não deu atenção aos devaneios de Bruno. Mas o amedrontador personagem vivido por Walker (o ator morreria no ano seguinte ao lançamento do filme), levou o “pacto sinistro” a sério e matou a esposa de Guy.
Daí em diante, Pacto sinistro avoluma o suspense e o jogo de gato e rato entre Guy - uma pessoa genuinamente boa, mas que não se esquiva de certas ilicitudes - e Bruno ganha proporções alarmantes e irreversíveis.

Uma conversa sinistra: Guy, à esquerda, não leva os devaneios de Bruno a sério; para sua infelicidade...


O roteiro de Pacto sinistro, a bem da verdade, não é nenhum primor. Adaptado da obra de Patrícia Highsmith (que criaria ainda o icônico personagem Tom Ripley), o texto custou a receber uma versão final. Hitchcock e o roteirista contratado pela Warner a peso de ouro, o escritor Raymond Chandler, não se entendiam e a má vontade de um para com o outro comprometia o resultado. Chandler chegou a dizer que Hitchcock, no cúmulo de sua arrogância, já tinha o filme todo dirigido em sua cabeça sem mesmo um roteiro sequer. No final, Chandler foi dispensado e Czenzi Ormonde assumiu o posto de roteirista. O crédito final ficou para os dois, ainda que pouco da versão de Chandler tenha sido mantida.
Se o roteiro tem seus problemas, e não são poucos principalmente vistos de hoje, Hitch cria soluções visuais arrebatadoras. Com a ajuda do diretor de fotografia Robert Burks, que foi seu mais fiel parceiro profissional, o diretor construiu cenas memoráveis como a que abre o filme em que acompanha os pés dos dois estranhos, que tanto nos ficariam íntimos no decorrer da fita, e nos permite intuir muito sobre suas personalidades e condição social. Ou então na cena do assassinato da mulher de Guy, em que observamos a cena pelo reflexo nos óculos caídos da vítima. As partidas de tênis são outro deleite e há pelo menos uma cena genuinamente aterrorizante em uma dessas partidas.
Pode-se argumentar que há um plot de homossexualidade velada na atração algo inacessível que Bruno sente por Guy, mas seria algo meramente especulativo – ainda que altamente provável. No entanto, Hitchcock reveste de sexualidade o filme com habilidade ímpar para driblar os censores da época. Como na cena em que, pouco antes de ser assassinada, a mulher de Guy – que estava na companhia de dois homens – pede cachorro quente para saciar sua fome.

Patricia Hitchcock, a filha do diretor, é dos destaques do filme
Pacto sinistro tem a primazia em duas importantes reverberações cinematográficas. Foi um dos primeiros filmes hollywoodianos a construir-se inteiramente no desenvolvimento de “um crime perfeito”. Não a toa já foi parodiado ou homenageado em filmes como Jogue a mamãe do trem (1987) e Quero matar meu chefe (2011). A outra reverberação foi a morte de Robert Walker, notadamente o membro mais talentoso do elenco, aos 32 anos por erro de manipulação de remédio psiquiátrico. Walker havia sido abandonado pela mulher no período e voltara a fazer tratamento psiquiátrico após sua participação em Pacto sinistro. A fofoca da época era de que o ator sucumbira à insanidade de seu personagem. Até suicido foi aventado; hipótese nunca corroborada pelas autoridades. O mesmo ocorreu recentemente com Heath Ledger quando morreu em circunstâncias muito parecidas após sua participação em Batman – o cavaleiro das trevas (2008). 

4 comentários:

  1. Eu, infelizmente, ainda não assisti a esse filme, mas ele está na minha lista dos filmes que devo assistir muito em breve! Adoro Hitchcoch e o meu preferido dele, até o momento, é Janela Indiscreta, magnífico com Stewart e Kelly. Mas como estou trabalhando num artigo científico sobre o cinema noir, logo analiso esse filme e volto aqui para dar uma opinião condensada.

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  2. Entre meus Hitchcock's favoritos. Acho esse filme um primor em todos os sentidos. A cena do carrossel é clássica na minha memória cinéfila e a esperteza do diretor na arquitetura das cenas me deixava atônito, sério... acho um primor este filme! A única ressalva é a inexpressividade de Farley Granger, q meu Deus... como Hitch o contratou novamente visto a sua fragilidade como ator já demonstrada no igualmente fabuloso "Festim Diabólico"? Enfim, ele é engolido em cena pelo monstro Robert Walker, cuja morte preconce, bem apontada no texto, foi uma tragédia.

    Gostei do revival, Reinaldo! Q surpresa ver um dos meus favoritos do diretor aqui =]

    abs!

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  3. Amo este filme e adorei o seu texto. O que mais posso dizer? Disse o essencial e com maestria Reinaldo! A cena de assassinato e aquele suspense mastigando deliciosamente o clímax antes do filme virar de ponta cabeça, é um dos melhores momentos da fita.

    Ótimo poder ler um filme deste quilate aqui no Claquete...quero mais clássicos heim?! :))

    Abs.

    * os diálogos da Pat Hitchcock são demais!!!!!
    HITCHCOCK RULES

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  4. Luís: Fico no aguardo pelo teu feedback meu caro.
    Grande abraço!

    Elton:Pois é Elton. Hitch queria William Holden, mas como o ator estava sob contrato com a MGM ficou difícil tê-lo para o filme. Teve que ir com Farley Granger msm...
    Fico feliz que tenha gostado da surpresa.
    Abs

    Rodrigo: Rsrs. Obrigado pelo entusiasmo meu amigo. Em 2012, a seção Claquete repercute irá abordar mais europeus e clássicos.
    Abs

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